domingo, 24 de junho de 2012

1960-2012

Nasci no dia 25 de Novembro de 1960 por volta das 21,30 h, na cidade de Malanje e numa casa com uma mulher que realizava partos, uma dita parteira!.
Pelo que conta a minha mãe como não havia anestesia, ou pelo menos quem tinha os filhos em casa não tinha acesso a ela, foi um parto de dor e algum sofrimento porque ficou "rasgada" e evidentemente sofreu bastante.
Vivi em Malanje até a idade de 7 anos, frequentei ainda a escola e lembro que pegado a minha casa existia um terreno sem casas que eu atravessava para ir para a escola e lembro também que chegava a casa sempre toda "enlameada" porque praticamente só fazíamos trabalhos em barro!
Minha mãe trabalhava de costura, para a burguesia daquela época, visto, antes de ter ido para Angola, ter sido igualmente modista de "alta costura", no Porto, onde os modelos vinham em exclusivo de Paris para as clientes mais ricas, esta fase pelo que sei não durou assim muitos anos porque corria o ano de 1967 , fomos viver para Luanda, onde a minha mãe fazia a roupa unicamente para os de casa.

Fui então matriculada no Colégio Brotero" em Luanda, até completar a 4ª classe, altura em que mudei para o Liceu Dona Luísa de Gusmão"onde andei mais 2 anos. Lembro-me da 1ª casa que morei, era perto do "Bairro da Cuca" e embora não fosse muito grande, eram casa geminadas e com quintal que adorava.

 Muitas peripécias teria a contar, desde um rato que assamos, a uma queda "fenomenal" que eu dei de uma tipo, peneira gigante que os da construção civil usavam para separar as pedras mais grossas! mas não dá para escrever tudo senão...

Não posso, no entanto, deixar de referir a "Dª Conceição de Jesus Spínola" que era uma vizinha, solteirona, que trabalhava num cabaret e que queria sempre que lhe fosse apertar os "montes" de colchetes que tinha no soutien,...lembro dela com imensa saudade... sei que já não pode estar entre nós porque era uma Srª que não era nada nova, era muito mais velha que os meus pais... Nessa época, não era como agora que só querem pessoas novas para esse tipo de trabalho!

Depois, mudamos para um 1º andar, que era mesmo por cima do trabalho do meu pai, em frente a um mercado que sinceramente não sei o nome, não era o principal de Luanda, este era mais pequeno! Antes de virmos para Portugal, ainda morei numa casa muito perto da praia da Corimba e a última, na chamada "Rampa do Prenda", onde meu pai tinha o estabelecimento de venda de máquinas de costura e um outro de móveis, colchões, etc, aliás foi aí que eu aprendi a bordar e escusado será dizer que já à largos anos que não o faço estou plenamente convicta que esqueci tudo!

Esta última casa, por vários motivos, está no meu "baú" de recordações!... tinha uma janela na cozinha da qual se via o mar e logicamente o pôr do sol, que adoro e que podia admirar sempre! Era uma casa que também não era grande, mas tinha três varandas e um grande terraço no telhado que embora fosse das quatro casa, (duas para trás e duas para a frente) era espectacular


Deu-se então deu-se o 25 de Abril e a situação começou a ficar insustentável, em qualquer lado se estava sujeito a uma bala perdida e a minha mãe começou a ter problemas de saúde, stress e ficava quase inanimada, principalmente quando íamos a correr para o tal terraço, sempre que se ouvia tiroteio nas redondezas, hoje aceito que era realmente uma inconsciência!

Tenho umas fotos tiradas em 2007, por um sobrinho de meu irmão, que além da degradação do prédio, tem um tipo "capoeiro" de madeira no terraço ele está a viver em Luanda com o pai, que tem lá negócios...

Meus pais decidiram então que tínhamos que vir Portugal, onde a família fazia toda força para virmos e onde chegamos dia 4 de Setembro de 1974 mas sem o meu pai que não queria deixar lá tudo e que dizia que as coisas iam melhorar e que depois nós voltávamos para lá... escusado será dizer que teve que vir já com os aviões que entretanto foram fretados para a maior ponte aérea de sempre! chegou ao Porto dia 11 de Novembro de 1975 .

Enquanto o meu pai não veio, ficamos a morar perto da Boavista em casa de meus avós, e andei a estudar no "Colégio Nossa Senhora de Lurdes" e quando meu pai veio, arranjamos uma casa que estava alugada a um primo de minha mãe, no "Pinheiro Manso", mas que a ia deixar, então a minha mãe, nas vésperas do meu pai chegar, alugou a casa que embora fosse uma casa centenária, tinha espaço para tudo e mais alguma coisa... desde cave, quintal em cimento, quintal em terra.... ficou a pagar mil escudos mas teve que pagar as obrar que esse primo fez...e na altura, sem nada, as dificuldades foram mais que muitas...

O meu pai veio sem nada... simplesmente uns móveis que tinha conseguido embarcar e que foi depois buscar a Lisboa e mais nada! valeu a ajuda de alguma família principalmente avós e irmãs da minha mãe. A roupa que eu usava, era da minha prima, porque não tinha nada para este clima, sapatos idem ...aliás, tive uns que tive que os "moldar" aos meus pés, não foi fácil, com 14 anos e 15 anos e por aí fora!

Entretanto meu pai arranjou um emprego para guarda de uma garagem, das 6 da tarde até as 2 da manhã..., depois para uma fábrica de candeeiros e eu fui estudar para a "Clara de Resende" e posso dizer que o que mais me custou, ou me custava, era a maldade das pessoas! sempre que eu entrava,ou na padaria, ou na mercearia, havia sempre alguém a dizer mal dos chamados retornados, que nem era o meu caso, eu nunca tinha vindo a Portugal, os meus pais sim eram retornados, eu não, mas a conversa era sempre a mesma, "vêem comer o que é nosso", e blablabla...e eu calava-me e vinha para casa chorar e tanto ouvi sem responder que depois fiquei uma "refilona" de marca...

Corria o ano 1977, então com 17 anos, conheci o Nando, nos bailes da cooperativa de Lordelo do ouro, que lembro com saudade, era um amigo que metia os discos e estávamos a dançar e a conviver quantas vezes até de manhã... fomos sempre falando, ele começou a ir buscar-me à escola e começamos a namorar em Fevereiro de 1978.

No dia 4 de Setembro de 1982 casamos, num dia de calor enorme e precisamente no dia em que fazia 8 anos da minha chegada a Portugal, mas foi pura coincidência, só mais tarde reparamos nesse facto.!
Fomos passar a lua de mel a Lisboa, porque se eu era pobre, ele não era mais rico, (juntou-se a fome com a vontade de comer) lol... e ficamos a morar sensivelmente 5 anos em casa dos meus pais e o meu filho nasceu passados 4 anos de nos casarmos e já tinha quase 2, quando nos mudamos para a nossa 1ª casa que era no "Monte dos "Burgos" em S. Mamede de Infesta".

Escusado será dizer que se a vida não era fácil, pior ficou, porque além das prestações a pagar ao banco, tínhamos que pagar de 6 em 6 meses, entre 150 e 200 contos até fazer os 2 mil, que funcionava como entrada "fraccionada"...No ano de 1994, resolvemos comprar uma casa maior, casa essa onde moro desde então!

Nunca tivemos possibilidades de viajar, conheço muitas locais em Portugal, desde o Minho ao Algarve como se costuma dizer, mas para fora, só fui mesmo aqui aos nossos vizinhos Espanhóis, e fomos assaltados por duas vezes, uma vez em Madrid, outra vez em Tui....

Sempre cumprimos com as nossas obrigações, tanto com bancos, como com tudo o que envolvesse dinheiro e honestidade, tudo com sacrifícios, o meu filho tirou uma licenciatura e um mestrado, igualmente com sacrifícios e a única coisa que posso dizer é que nunca fiquei a dever nada a ninguém!

Fazendo um balanço, da minha vida,  estou convencida que se não fosse a doença que acabou por o vitimar, e se eu continuasse a trabalhar, iríamos provavelmente ter uma velhice em beleza, ou pelo menos melhor, poderíamos então fazer algumas pequenas viagens, conhecer Paris, Londres, Polónia...

Em Paris, queria conhecer além do torre Eifel e do "Museu do Louvre", dos "champs Elysés", o Cemitério Pere Lachaise!... em Londres a "Roda gigante" e na Polónia adorava conhecer "Auschwitz"...não sei porquê, é um dos meus sonhos que diga-se de passagem é mesmo isso, sonho!...Já me disseram que é um sonho um pouco "macabro" mas pronto...

Vou vivendo um dia de cada vez e já não digo o que dizia antigamente:-"O sol quando nasce nasce para todos" hoje reconheço que não... nasce para alguns, os outros têm sempre uma certa "neblina" que não o deixa brilhar a 100% e não digo isto com qualquer tipo de mágoa, tenho que aceitar e pensar que existe sempre alguém pior que nós claro que era bom que toda a gente estivesse bem!

Como referi anteriormente, não sei o que o futuro me reserva, vou vivendo um dia de cada vez, unicamente com a certeza que não sou a mesma pessoa, vai faltar-me sempre o Nando , desde  o dia 08-02-2007 até ao dia 25-01-2012 que sofri muito, sei que sou forte, sei que consigo e na perfeição,  ocultar o que me vai na alma, sei que transmito que estou bem, mas tenho dias sofridos e as noites todas dolorosas, penso em tudo tudo... o antigamente, os últimos dias, os exames, os tratamentos, as palavras... e sei que vai ser para sempre!  Posso dizer seguramente que estou quase todo o tempo com ele no pensamento, será  paranóia.?
não, não é, simplesmente mudei e o facto de aceitar e saber  que mudei, saber que agora "sou assim" e que vai ser  assim faz com que esteja bem e principalmente aceite esta nova realidade. O sol, para mim, deixou de brilhar, seguramente e o facto de o aceitar, só me alterou a cor, em vez de vermelho, sou cinzenta ou preta..

E amanhã faz 5 meses que ele me deixou e eu não consigo acreditar que ele está num outro lugar que não aquele que sei estar embora faça muitas vezes essa pergunta a mim mesma: será que é verdade que existe mais alguma coisa? !!!!

3 comentários:

  1. Boa noite, andava pela net fazendo busca sobre o Colégio Brotero e encontrei o seu blog com esta referência. Voltei agora a Luanda e andei hoje pelo Bairro do Cruzeiro tentando encontrar a casa onde era o colégio. Deixo este comentário porque devemos ter sido colegas, pois também nasci em 1960, a 16 de Dezembro e andei no Brotero até à 4ª classe. Depois também andamos perto pois frequentei o Liceu Paulo Dias de Novais que ficava perto do Dona Luisa de Gusmão, que julgo ser o Liceu Feminino.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Boa Tarde Américo Reis. É provável que sim, mas eu não tenho grande memória dos colegas. Lembro bem é da diretora a D. Amélia e tenho até fotos da comunhão com ela onde estão alguns colegas. Se tiver conta no Facebook, adicione-me ´poderá ver algumas das fotos que referi. :)

      Eliminar